sexta-feira, 7 de março de 2014

---- Vou até sua casa comer bolo de chocolate!!! --- digo a um aluno, uma das brincadeiras frequentes que gosto de fazer com eles.
---- Ah, não! Eu não gosto de bolo de chocolate!
---- Como assim? Você não gosta de bolo de chocolate? Poxa vida...
---- Não, não gosto de bolo de chocolate!
Eu ainda insisto nesta nossa conversa meio sem pé nem cabeça:
---- Mas você gosta tanto de chup chup de chocolate, como que não gosta de bolo?
---- E bolo de chocolate é feito de chup chup? - e me encara, com aqueles olhinhos de quem deu cheque mate na professora aos seis anos de idade....
---- Vai beber água, vai logo, vai.....- e penso no "aff" tão frequentes nas redes sociais.
Estou tranquila, na sala, ajudando um aluno numa atividade, quando Fulano denuncia:
---- Tia, Sicrano me chamou de veado!
Eu penso que, realmente, tudo estava muito calmo nesta minha sala de primeiro ano....
---- O que? Como assim? --- Eu pergunto com a intenção de ganhar tempo para pensar à respeito do que estava acontecendo...
---- Ele me chamou de veado na fila do lanche!
---- Mas isso já faz um tempo! Eu não tô entendendo -- não estava mesmo...
---- Foi o Beltrano quem me contou!
---- Beltrano, o que você disse pra ele? Você ouviu o Sicrano chamar o Fulano assim?
---- Não, professora, eu não ouvi. Foi a Fulana que ouviu e me contou. Ai eu tinha que contar, né tia? Eu tinha que falar a verdade...
---- Não, você tinha que falar era pra mim! Eu vou conversar com ele sobre isso - e o menino acusado mantinha-se numa postura muito discreta, esperando que eu nem sequer olhasse pra ele -- O que você fez foi fofoca e muito depois do ocorrido!
Pronto, agora é a vez de inquerir o acusado de seis aninhos:
---- Sicrano, por que você chamou o seu amigo de veado?
---- Ah, não sei tia.
---- Você sabe o que é veado?
---- Não...
Respiro fundo, e lá vai:
---- Veado é um animal que se parece com a rena do Papai Noel, aquela que puxa o trenó dele. Por acaso o nosso amigo se parece com o animal que puxa o trenó do Papai Noel?
---- Não, tia. -- E todos concordam que ele não se parece nem um pouco com a rena.
---- Hum, peça desculpas ao seu amigo. Ele tem nome, não é pra colocar apelido bobo. E você, mocinho, da próxima vez que ouvir um amigo colocando apelido em outro, fale comigo primeiro, entendeu?
Todos entenderam que veado e rena são muito parecidos, que graça é a idade de seis anos.
Mas, ninguém diz algo à toa, a família saberá sobre a palavra dita que, provavelmente, ouvida num contexto diferente, foi repetida sem que se desse sentido ao significado pejorativo, quem sabe não terá mais cuidado? Que saudades dessa fase da infância.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Ontem, caminhando até a cafeteria, vi na ultima esquina da Frei Gaspar, próxima à praia, um grupo de adolescentes numa roda, como que combinando algo. De repente, um deles grita para outro que está distante, na outra calçada, "...olha pro outro lado!", e um deles sai da roda, corre na minha direção, e sobe numa árvore. Os demais, espalham-se entre os carros, abaixam-se e esperam. E, antes de atravessar a rua, vejo o menino que olhava para o outro lado, parar de "bater a cara" na parede e partir para descobrir onde os amigos se escondiam....Início da noite em São Vicente, e os meninos brincam de esconde-esconde. E eu, nostálgica da sensação de se esconder e ser encontrada, fico feliz por ver que a  rua insiste e resiste.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Estava na biblioteca explicando aos alunos do nível I (4 anos) sobre a leitura de um livro que faríamos quando vi a diretora passar carregando duas caixas de papelão enormes,  indo em direção à lixeira. Levantei, rapidamente, e da porta pedi a ela que não jogasse as caixas fora, que deixasse por enquanto no pátio que, no dia seguinte, com a minha turma regular, eu brincaria de carrinho.
Voltei para a roda, e antes de iniciar a leitura, um menininho com carinha de curioso, o Gustavo, me perguntou:
--- Tia, a senhora disse para a tia diretora que vai brincar de carrinho com aquelas caixas?
---Sim, vou, mas vou brincar com a minha turma da manhã....
---Como vai fazer para brincar de carrinho?
Eu olho com espanto para ele e pergunto para todos:
---Vocês sabem como se brinca de carrinho usando uma caixa de papelão, né?
E, vejo um monte de carinhas dizendo que não, que não sabiam brincar de carrinho....Eu insisto:
---E de avião? De navio? De trem? De submarino? De espaçonave?
As mesmas feições, só que agora mais curiosas do que antes.... E muitas falas simultâneas:
---Como assim?
---Tia, não dá pra brincar de espaçonave....
---Tia, como é que faz, brinca com a gente?
E lá vou eu, pegar a caixa, trazer para o meio da roda, e contar para eles como é que eu fazia quando era criança, como que meus irmãos faziam quando uma caixa chegava no quintal de casa....Sento dentro da caixa, e começo a dirigir meu carro, pilotar meu avião, navegar com o meu barco.
Logo havia mais crianças, e expliquei que o veículo se também se movia, pois uma ou duas crianças poderiam ser seus motores, empurrando quem estava sentado.
A leitura do “Macaco Danado” ficou esperando um pouco, enquanto as crianças entendiam como é que se faz para uma caixa virar brinquedo.

Mas, como me disse um inspetor de alunos, eles sabem o que é usar um tablet. E, isso é muito bom, saber usar um tablet. Mas como é bom acabar com uma caixa de papelão de tanto brincar dentro dela....

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Aprendizado pessoal.


Estava na minha sala de aula com os alunos e a estagiária, quando um deles fez um comentário:
-- Nossa, tia, você se chama Ana Paula e ela também !!!
E, eu, pensando em aproveitar a oportunidade para uma discussão mais pedagógica, aproveitei para fazer comparações e me coloquei ao lado da Ana:
-- É, a gente tem o mesmo nome, mas é diferente fisicamente: a Ana é alta, e eu sou baixa, a Ana é magra, é eu estou um pouco gordinha, a Ana é branca, e eu sou negra, ela é loira, e o meu cabelo é castanho escuro...
E, então, um aluno fez uma observação forte:
-- E ela é bonita e você não!
Juro que, na minha mente, passaram-se muitos sentimentos, inclusive aquele que traduz o sentimento de vaidade ferida. Mas, por fim, acho que tive uma boa atitude. Disse:
-- Gabriel, você pode achar a Ana mais bonita do que eu, porque isso é um gosto pessoal, só seu, mas, você tem que ter cuidado ao dizer isso, porque quando a gente diz a uma pessoa que a acha feia, a gente pode deixar essa pessoa triste.
E, me dirigindo a todos, eu perguntei a ele:
-- Se um amigo seu disser que te acha feio, você ficará triste ou alegre?
-- Eu vou ficar triste.
-- Vamos pegar outro exemplo - e chamei uma aluna que, na sala, é sempre convidada por todos para ser ajudante - se eu disser que a Kamily é feia, vocês acham que ela ficará triste ou alegre?
Todos responderam que ela ficaria triste. A classe concluiu que é errado dizer a uma pessoa que ela feia, embora tenham a liberdade de pensar dessa forma.
É óbvio que esta história não acaba aqui....Aproveitei para conversar com a estagiária, que ficou um pouco chateada com o que o aluno disse, ficou embaraçada. Respondi a ela que, infelizmente, é natural que os alunos, já nessa idade - seis anos - considerem que uma pessoa loira, alta e magra seja mais bonita do que as demais, pois é um padrão de beleza estabelecido na nossa sociedade. O que poderíamos fazer a partir do que aconteceu na sala? Não adiantaria agora realizar um debate com os alunos sobre o padrão estético deles, mas poderíamos organizar sequências didáticas sobre diferentes tipos de pessoas, montar murais com fotos de homens e mulheres que correspondam a outros padrões estéticos, inclusive iguais a eles próprios, para fazer novas comparações. Podemos também pesquisar na literatura infantil sobre livros cujos personagens sejam negros, indígenas, asiáticos, apresentar algo além dos contos de fadas europeus tão presentes no imaginário infantil, para que os alunos tenham acessos a outros príncipes ou princesas, a outros personagens principais que se aproximem também da realidade deles, sem excluir o que nos é clássico também na nossa infância. 
A comparação que esse aluno fez foi muito pertinente, porque originou uma reflexão com todos na sala, uma reflexão com a estagiária, uma reflexão sobre formas de atuar com os alunos sobre os padrões estéticos e uma reflexão pessoal sobre o meu próprio orgulho. É por essas e outras que é um grande aprendizado ser professora. 

APSR.

Anjos negros....


Estava em roda, com a turma do 1o ano que participa do projeto Jogos, que eu desenvolvo na escola. Eu estava explicando para um dos grupos sobre o jogo que eles iriam jogar, um quebra-cabeça sobre o alfabeto. Notei que um dos alunos estava muito quieto, e, como geralmente ele é um pouco bagunceiro, estranhei o comportamento dele. Fiz um cafuné no cabelo crespo todo enroladinho dele e perguntei:
-- Você está bem? Tá tão quietinho....
-- Tô bem....
-- Sabia que você tem cabelo de anjinho? Todo encaracoladinho, parece um anjo....
Um outro aluno que estava ao lado disse:
-- Ele só não é anjo mesmo porque anjo é branco, né, tia?
-- Não - eu digo - tem anjo negro também! Tem anjo branco, negro, indígena...tem anjo igual a todas as crianças do mundo! Você não sabia?
-- Não, que legal!
-- É, legal né? Agora vamos aprender como se brinca com esse jogo, olha só....

APSR.

quinta-feira, 8 de março de 2012

No refeitório, enquanto lancham, Renato me chama baixinho:
- Tia, você sabia que Papai Noel não existe?
- É mesmo? quem te contou?
- Minha avó.
- E quando ela te falou isso?
- É que eu vi um homem com a barba do Papai Noel, e ela táva assim, saindo....
-Ah, será que esse homem não estava imitando o Papai Noel?
- Imitando?
- Sim, tem um monte de homem que no Natal se veste de Papai Noel e o imita, você já não viu nas lojas?
- É....
- Você conhece o Neymar, o jogador?
- Conheço.
- Não tem um monte de criança que corta o cabelo igual ao Neymar?
- Tem.
- Então, eles estão imitando o Neymar. Quando você crescer você pode imitar o Papai Noel também, se vestir igual a ele.
- É mesmo, mas para imitar o Papai Noel eu vou ter que evitar comer verduras.
- Como assim? Por que evitar comer verduras?
- Olha, o Papai Noel não é gordo? Então eu não posso comer verduras!!