domingo, 10 de abril de 2011

Dúvidas e imagens sobre a tragédia de Realengo, RJ.

Fiquei com várias dúvidas e imagens na mente sobre o que aconteceu na escola municipal de Realengo, no Rio de Janeiro.
Uma das imagens mais fortes é visualizar a ação dos professores, que no meio do desespero, segundo fatos descritos pelos alunos em vários canais de televisão, fechavam as portas das salas de aula, empilhavam carteiras  para impedir a entrada do assassino, e orientavam para que seus alunos ficassem abaixados e em silêncio; há uma outra imagem ainda que me persegue, a do professor que, para proteger seus alunos, saiu e trancou a porta pelo lado de fora, pois por dentro a fechadura estava quebrada, ato que, nas palavras do aluno que fez a narrativa, foi o de um herói.
Imagens outras, do massacre em sí, da logística do ex-aluno, dos feridos e mortos, essas eu não preciso imaginar, pois são as mais divulgadas nos meios de comunicação, com detalhes que beiram ao masoquismo.
Das dúvidas, todas recaem sobre o Wellington, descrito por muitos como vítima de bulling. Mas, divago sobre a descrição dos irmãos adotivos e os problemas mentais que ele apresentava: sobre ser tímido já em família, sobre estudar sobre armas e violência desde pequeno, sobre desejar imitar o atentado de 11 de setembro, sobre bater a cabeça na parede de forma contínua. Segundo a família, a mãe biológica já apresentava um quadro de transtornos psiquiátricos, e o próprio Wellington passou por atendimento psicológico, interrompido após a morte dos pais adotivos.
Que tratamente teve esse filho e aluno? Um quadro aparente de esquizofrenia, como este, foi diagnosticado, tratado, teve um acompanhamento responsável por uma rede pública ou particular de saúde?
As indicações bibliográficas sobre bulling apontam que o aluno que comete a agressão  precisa de auxílio, pois discriminar, agredir física ou verbalmente de forma dissimulada é um traço que necessita ser analisado, e pode ser também uma resposta a algo  para o qual o aluno não consegue manejar ou compreender. A vítima de bulling necessita de auxílio para denunciar a agressão, para enfrentar o agressor e tudo aquilo que ele representou, expondo a intimidade da criança/adolescente/adulto agredido.
Mas, nem toda vítima de bulling pega em armas e atira nos outros. No caso de Wellington, me parece que havia algo anterior ao bulling, algo que vinha de uma estrutura psíquica que demandava ajuda.
A sociedade, antes de pensar em colocar detectores de metais nas escolas e trancafiá-- -las com mais muros e grades, poderia pensar no que pode fazer para  ajudar novos e antigos Wellingtons, pode investigar se nosso sistema de saúde tem preparo para atender pessoas que, quando  crianças  "bateram a própria cabeça na parede", e depois, já adultos, decidiram atirar na cabeça dos outros.
Só mais uma imagem: a de um ex-aluno pedindo para visitar a antiga professora. Com essa eu me identifiquei bastante, já que, como professora, é gratificante ser lembrada por aqueles que passaram por nossas salas de aula. E, foi desse recurso que Wellignton usou para ter acesso as classes, após retirar um documento pedido na secretaria. Parece-me que o único ato estruturado por ele foi o planejamento de suas ações para matar e chocar o país, repetindo aqui os massacres presentes na sociedade norte-americana. De resto, ele todo era desestruturado.
por Ana Paula dos Santos Rodrigues.

Texto publicado por Maurício Zamignani no jornal A TRIBUNA sobre a tragédia na escola municipal do Rio de Janeiro.

Bullying, Realengo e Sensibilidade

O Brasil inteiro, é claro, está chocado com a tragédia do Realengo. Por que o rapaz escolheu como palco da tragédia a escola em que estudou? Por que escolheu como enredo o terrível ritual de assassinatos, tão conhecido nos Estados Unidos e Europa, mas totalmente estranho ao Brasil? Por que ele procurou, em primeiro lugar, uma professora que havia dado aula para ele? Por que a quase totalidade das vítimas fatais era do sexo feminino?

O mal sempre desafiou a mente humana e é urgente ultrapassarmos a concepção de que tudo se prende a uma pretensa natureza benéfica ou maléfica dos seres – um completo absurdo, inclusive porque essas pessoas acham possível um Deus bom e perfeito gerar seres maus por natureza –, essa ficção jornalística que nos apresenta os criminosos como monstros e faz cotidianamente o milagre da multiplicação do ódio. Denunciada e condenada essa ilusão espetaculosa, haverá mesmo muitos porquês a serem respondidos quanto à alma humana, alguns dos quais emergem, escandalosos, a cada uma dessas tragédias às quais já nos estamos acostumando.

A violência não pode ser banal em nossas vidas. Temos sim que nos escandalizar e perguntar: por que? Olhando com simplicidade essas tragédias, elas apontam para a existência de crianças sofridas que passaram por escolas, sequer foram percebidas em seu sofrimento e ainda foram tão mal atendidas que ficaram marcadas pela sensação de que a escola é a grande culpada por sua dor.

A primeira certeza que fica é que se trata de crianças que já sofriam antes, já que o bullying é apenas um nome novo para uma prática muito antiga e comum no ambiente escolar – a de instituir práticas de opressão pela discriminação violenta dos mais fracos – a qual, evidentemente, nem sempre gera assassinos desse ou de outro tipo. A segunda é que crianças não passam suas infâncias apenas em escolas, mas também em famílias, grupos, comunidades, igrejas, vizinhança, e na frente da tevê. A terceira é que uma criança, por mais tímida e fechada que seja – e se muito o for já é algo digno de atenção – não consegue passar sofrida sem fornecer claros sinais de seu sofrimento. De todas essas certezas surge a incerteza: que escola, mas também que família, vizinhança, igreja, comunidade, que sociedade é essa que produz crianças tão frágeis e depois mostra-se incapaz de perceber seus sinais de sofrimento? Ou, ainda pior, percebendo, consegue nada fazer a respeito?

É hora de rever a crença moderna de que são poderosas as crianças que se relacionam com o mundo apenas através da bolha de plástico do computador e da tevê. É urgente revalorizar o contato direto, a atenção carinhosa e a reflexão sobre as relações humanas, como grande fonte de enriquecimento da alma. Acima de tudo, é hora de reconhecer que a atenção oferecida não só na educação, mas na saúde, assistência social, cultura e esportes, nas famílias, religiões e nas demais instituições, que nossas relações sociais como um todo estão desumanizadas, pois só mesmo uma sociedade desumanizada pode gerar indivíduos desumanos.

Maurício de Araújo Zomignani é assistente social. E-mail: mauzomi@ig.com.br

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Texto publicado pela blogueira MariaFrô, sobre a tragédia no Rio de Janeiro.

Pessoal, achei este artigo bastante interessante e  lúcido num momento em que vários julgamentos superficiais serão realizados. Confiram o blog da autora: MariaFrô

Acordo muito cedo levo minha filha pra escola, volto e começo minha rotina. Sou educadora, aprendi a ser desde quando, no 1º ano da Universidade, entrei numa sala de aula de Educação de Adultos, depois em salas de 3º ano de Ensino Médio, e depois com crianças de 6º e 7º anos do Ensino Fundamental e, paralelamente, formando professores em diferentes cursos de formação mas, especialmente, na formação para a educação em direitos humanos, na educação para a igualdade étnico racial.


Educar é a minha vida, acredito que podemos educar em todos os espaços sociais (no mundo off line e no mundo on line).

Hoje, pela manhã, em Realengo, Rio de Janeiro, Wellington Menezes Oliveira conseguiu entrar armado em uma escola municipal de Ensino Fundamental e até o momento as notícias desencontradas das tevês e jornais informam que 11 crianças foram assassinadas com tiros na cabeça e abdômen.

O mundo inteiro se volta para o Brasil, para Realengo, para o Rio de Janeiro: Guardian, Le Figaro e La Nación, Al Jazeera, BBC, El País, La Reppublica e Wall Street Journal - ”A tragédia choca a sociedade brasileira, de orientaçao familiar e onde a violência contra crianças é rara”. Infelizmente, a violência contra as crianças e adolescentes não é rara no país. Existem diferentes formas de violência, adolescentes, meninos, negros são os mais vitimados. Uma pequena busca aqui no Blog mostrará alguns vídeos de policiais atirando em adolescente em Manaus, policiais espancando adolescente em Feira de Santana e tantas outras formas de se propagar a violência.

Professores exauridos, desestimulados cansam-se de denunciar a violência em várias escolas urbanas das periferias brasileiras: crianças e adolescentes expostos ao tráfico de drogas, alunos armados, roubos… Mas nada se compara ao que aconteceu nesta escola hoje. Uma escola de referência, pois tem uma política inclusiva, atende deficientes auditivos.

Na manhã de hoje a escola recebia ex-alunos para dar palestras em comemoração aos seus 40 anos. Segundo relatos de profissionais da escola de Realengo o ex- aluno, Wellington, aproveitou-se disso e se identificou como um dos palestrantes.

Não se tem ainda informações seguras sobre o que levou este jovem a matar 11 crianças de 12 a 14 anos (10 meninas e 1 menino) e ferir mais 29! Quanto a morte do atirador, a versão do sargento Alves, o primeiro a chegar na escola é de que o atirador foi baleado pelo sargento e após levar um tiro se matou.

Há uma imensa especulação na mídia televisiva e impressa sobre o perfil do atirador: desde que se tratava de um ‘extremista islâmico‘, de que era ‘filho adotivo’, ‘viciado em internet’, jovem de ‘poucos amigos’, ’portador do HIV’…

Esse é um momento perigoso, onde empresas jornalísticas em busca de audiência exploram como podem esta imensa tragédia: islamismo, adoção, internet e portadores de HIV tornam-se explicações fáceis para nossas mentes bestificadas diante do absurdo que é crianças serem mortas dentro da escola.

Ouço na Record News o absurdo do apresentador João dizer que ataques como este é ‘normal’ no Oriente Médio! Tevês dizem que o atirador deu mais de 100 tiros! Como seria possível dar mais de 100 tiros se o atirador portava dois revolveres de calibre 38? Como este jovem tinha tanta munição? Como conseguiu as armas? Como fomos capazes de dizer não ao desarmamento e sim ao comércio de armas?

Tento escrever este texto em busca de alguma organização mental, emocional. Sou mãe, educadora, não posso sequer imaginar a dor incomensurável desses pais que deixaram seus filhos na escola, porque é um espaço de saber, um espaço de formação, um espaço de cidadania, um direito das crianças e adolescentes frequentarem de modo seguro, um dever de governos proverem e uma obrigação constitucional dos pais enviarem seus filhos.

No meio de tantas especulações feitas pela imprensa, é preciso ressaltar o bom senso do prefeito Paes ao se pronunciar: não espalhou pânico, defendeu a escola como um espaço da comunidade.

A presidenta Dilma Rousseff fez um pronunciamento visivelmente emocionada em solidariedade às famílias e as crianças vitimadas.

A ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário sabiamente ressaltou que neste primeiro momento é preciso oferecer toda a solidariedade e apoio às crianças da escola e as famílias das vítimas e, ao mesmo tempo, lembrou à imprensa de sua responsabilidade, para que evitassem espetacularizar esta tragédia espalhando pânico entre as crianças. Rosário rememorou, por exemplo, como a imprensa explorou o caso da menina Isabela. Mesmo assim na Record News prosseguia insistindo no ‘argumento’ de que nos ‘demais países’ isso é ‘terrorismo’ e se não iremos tratar assim também! Como pode uma tevê propor esta abordagem sem qualquer investigação?

Como pode políticos oportunistas como o deputado Marcos Feliciano mais uma vez se aproveitar de uma tragédia sem precedentes no país pra espalhar seus dogmas equivocados, intolerantes, irresponsáveis e afirmar que tal tragédia é uma profecia divina pra castigar infiéis?

Gostaria imensamente que aprendêssemos como tragédias como estas. As escolas não devem virar prisões (algumas já têm este aspecto) elas devem ser espaços valorizados pelas comunidades, devem ser fortalecidas, queridas, abraçadas, nossas crianças efetivamente protegidas, tratadas com dignidade para que cresçam amando o conhecimento e diminuindo o grau de intolerância. Nossos profissionais da educação devem ser valorizados, porque é uma imensa responsabilidade e exige uma tremenda formação profissional formar futuros cidadãos.

Que esta tragédia não sirva para os oportunistas de sempre pregarem mais e mais intolerância. Que possamos aprender com Hannah Arendt a lição maior da autoridade: o mundo adulto é responsável pelas gerações futuras. Não fujamos de nossas obrigações. Isso significa que todo adulto deve ser responsável por qualquer criança. Isso significa, por exemplo, olharmos para além dos nossos umbigos, de nossas crias, de nossos alunos, isso exige de nós um compromisso maior e real com políticas públicas que sejam capazes de incluir, educar, prover de espaços culturais e de lazer, formar e amar todas as nossas crianças. Elas merecem um futuro melhor que balas na cabeça em seu espaço escolar.
MariaFrô