domingo, 10 de abril de 2011

Texto publicado por Maurício Zamignani no jornal A TRIBUNA sobre a tragédia na escola municipal do Rio de Janeiro.

Bullying, Realengo e Sensibilidade

O Brasil inteiro, é claro, está chocado com a tragédia do Realengo. Por que o rapaz escolheu como palco da tragédia a escola em que estudou? Por que escolheu como enredo o terrível ritual de assassinatos, tão conhecido nos Estados Unidos e Europa, mas totalmente estranho ao Brasil? Por que ele procurou, em primeiro lugar, uma professora que havia dado aula para ele? Por que a quase totalidade das vítimas fatais era do sexo feminino?

O mal sempre desafiou a mente humana e é urgente ultrapassarmos a concepção de que tudo se prende a uma pretensa natureza benéfica ou maléfica dos seres – um completo absurdo, inclusive porque essas pessoas acham possível um Deus bom e perfeito gerar seres maus por natureza –, essa ficção jornalística que nos apresenta os criminosos como monstros e faz cotidianamente o milagre da multiplicação do ódio. Denunciada e condenada essa ilusão espetaculosa, haverá mesmo muitos porquês a serem respondidos quanto à alma humana, alguns dos quais emergem, escandalosos, a cada uma dessas tragédias às quais já nos estamos acostumando.

A violência não pode ser banal em nossas vidas. Temos sim que nos escandalizar e perguntar: por que? Olhando com simplicidade essas tragédias, elas apontam para a existência de crianças sofridas que passaram por escolas, sequer foram percebidas em seu sofrimento e ainda foram tão mal atendidas que ficaram marcadas pela sensação de que a escola é a grande culpada por sua dor.

A primeira certeza que fica é que se trata de crianças que já sofriam antes, já que o bullying é apenas um nome novo para uma prática muito antiga e comum no ambiente escolar – a de instituir práticas de opressão pela discriminação violenta dos mais fracos – a qual, evidentemente, nem sempre gera assassinos desse ou de outro tipo. A segunda é que crianças não passam suas infâncias apenas em escolas, mas também em famílias, grupos, comunidades, igrejas, vizinhança, e na frente da tevê. A terceira é que uma criança, por mais tímida e fechada que seja – e se muito o for já é algo digno de atenção – não consegue passar sofrida sem fornecer claros sinais de seu sofrimento. De todas essas certezas surge a incerteza: que escola, mas também que família, vizinhança, igreja, comunidade, que sociedade é essa que produz crianças tão frágeis e depois mostra-se incapaz de perceber seus sinais de sofrimento? Ou, ainda pior, percebendo, consegue nada fazer a respeito?

É hora de rever a crença moderna de que são poderosas as crianças que se relacionam com o mundo apenas através da bolha de plástico do computador e da tevê. É urgente revalorizar o contato direto, a atenção carinhosa e a reflexão sobre as relações humanas, como grande fonte de enriquecimento da alma. Acima de tudo, é hora de reconhecer que a atenção oferecida não só na educação, mas na saúde, assistência social, cultura e esportes, nas famílias, religiões e nas demais instituições, que nossas relações sociais como um todo estão desumanizadas, pois só mesmo uma sociedade desumanizada pode gerar indivíduos desumanos.

Maurício de Araújo Zomignani é assistente social. E-mail: mauzomi@ig.com.br

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